Objetivos
- Analisar a presença do tema da
corrupção na produção literária brasileira;
- Contextualizar histórica e
literariamente os contos "Teoria do medalhão", de Machado de Assis. "Dois dedos", de Graciliano Ramos,
e "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes Telles;
- Observar a presença da ironia como
elemento de crítica nos contos analisados;
- Produzir textos dissertativos em que,
a partir da leitura dos contos, procurem discorrer sobre a corrupção como
característica da sociedade brasileira.
Conteúdos
- Gêneros narrativos :o conto;
- Comparação literária e história da literatura;
- Crítica social na literatura.
Tempo estimado
Duas aulas
Materiais necessários
Cópias dos contos "Teoria do medalhão" de Machado de Assis;
"Dois dedos" de Graciliano Ramos e "Seminário dos ratos" de
Lygia Fagundes Telles.
Introdução
O tema da corrupção, do desvio de funções e do "jeitinho"
sempre esteve presente na análise da sociedade brasileira. Vários autores da
nossa Literatura escreveram sobre o tema, muitas vezes apresentado de forma
lacônica como uma característica marcante da organização estatal, política e
econômica do Brasil.
Já no Barroco, o poeta luso-baiano Gregório de Matos e o Padre Antonio
Vieira inauguram aos escritos críticos sobre esta nefasta marca de nosso povo,
evidenciando a ideia de que, sem a conivência com a "mutreta"e o
"fazer por fora" pouco ou quase nada se consegue no país.
A lista de autores que refletiram sobre a corrupção é longa: Tomás
Antônio Gonzaga, com as "Cartas Chilenas" (Arcadismo); Manuel Antônio
de Almeida com "Memórias de um sargento de Milícias";Machado de Assis com "Teoria do medalhão" e
"Quincas Borba". Além de toda a obra de importantes figuras
como Lima Barreto, autor que pagou com esquecimento e
marginalidade, ao explicitar o lado racista sociedade cariocas do início do
século 20.É interessante observar que muitas obras usam o humor e ironia para
criticar a corrupção. Com a sátira e a ironia, os autores expõem as
meias-verdades e a impunidade utilizadas por muitos políticos e empresários.
É pertinente a relação que podemos estabelecer entre a evolução da
produção literária que trata do assunto e a obra de alguns de nossos principais
autores: há alguns elos que unem a atitude desses escritores em relação à
sociedade, o que gerou muitas vezes reações similares de setores oficiais da
crítica, ao longo do tempo. Podemos observar a exposição do conflito entre a
ordem estabelecida e a sua contestação como presença marcante em algumas obras
críticas de nossa literatura. O uso da descrição e exposição de costumes que
caracterizavam a vida em determinadas épocas ocorre de maneira muitas vezes por
meio da ironia e da ambigüidade.
Gregório de Matos, o grande poeta Barroco, foi um alto funcionário do
governo colonial. Caiu depois de recusar a imposição das leis eclesiásticas e
acabou morrendo em Recife, onde publicou poemas em que satirizava, sem
meias-palavras, a elite colonial. O conteúdo erótico e por vezes explícito
desnudava a relação social estabelecida na Colônia e inaugura essa tendência à
crítica satírica e explícita da sociedade por meio da literatura.
Tomás Antonio Gonzaga, melhor conhecido por sua obra lírica, também foi
um funcionário do Estado, que, com conhecimento de causa, publicou sob
pseudônimo, as "Cartas Chilenas". Nesses versos, marcados pela
estética arcadista, Gonzaga desnudava a imoralidade e os desvios da
administração de Minas Gerais do século 18. Envolvido com a Inconfidência
Mineira, também terminou seus dias no exílio africano.
Em "Memórias de um sargento de Milícias", Manuel Antônio de
Almeida associa a tradição satírica de nossa literatura e expõe tanto as
práticas "morais" da sociedade, quanto o comportamento desviante da
administração pública. A vertente irônica da obra de Machado de Assis é um dos
aspectos mais importantes de sua narrativa. Sua obra como um todo foi marcada
como um retrato ácido da elite da sua época, cujo desejo de se desvincular dos
ideais do Brasil colonial provocava atitudes ambíguas, marcadas pela ambição.
Isso fica evidente no conto "Teoria do medalhão", que narra a
história de um pai que dá conselhos ao filho sobre como se sair bem na vida.
Para ele o filho deveria jamais tomar partido, sempre se dispor a agradar os
amigos, buscar a publicidade de seus atos, tirar proveito das situações em
benefício próprio, nunca ser irônico e preferir a "chalaça"
(zombaria, insolência, troça).
O texto pode ser lido como uma crítica cáustica à sociedade da época e -
por que não? - pode servir como reflexão sobre práticas similares que ainda
persistem na sociedade brasileira.
O conto "Dois dedos", de Graciliano Ramos, narra a
história de um médico que pensa que a amizade que tinha na infância com o
Governador, poderá lhe garantir privilégios. Após uma crise de identidade, o
personagem acaba por transformar, de forma mesquinha e pequena, a visita ao
velho amigo em uma forma de também garantir seu quinhão. A pequenez de caráter
do médico é contraposta à indiferença do governador - que responde com um
"veremos" fugaz à sua proposta.
Finalmente, no conto "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes Telles, apresenta-se a alegoria quase
surrealista do encontro entre o chefe de relações públicas e o secretário
incumbido do bem-estar público de uma nação fictícia. O diálogo entre o
burocrata e seu superior relata os preparativos para o encontro internacional que
irá discutir a solução para o grave problema da proliferação de ratos. A
narrativa sugere uma crítica à burocracia e ao favorecimento estatal, que
hipocritamente finge discutir os problemas sociais existentes, sem jamais
chegar a nenhuma solução que beneficie o povo.
Na edição de setembro, BRAVO! destaca a publicação de uma antologia de
contos sob o tema da corrupção. Organizada por Luiz Ruffato, a coletânea
apresenta contos que abordam o tema sob o viés do autoritarismo, do carteiraço,
da lábia e da troca de favores, presentes de maneira mais ou menos generalizada
na administração pública brasileira. A reportagem oferece a possibilidade de
leitura e reflexão a respeito da crítica social presente na Literatura, que de
maneira irônica exibe um painel de toda a canalhice que compõe o lado mais
obscuro da sociedade brasileira.
Desenvolvimento
Antes de iniciar leia os contos "Teoria do medalhão" de
Machado de Assis, "Dois dedos" de Graciliano Ramos, e "Seminário
dos ratos" de Lygia Fagundes Telles. Note que a ironia é utilizada
nos três contos como uma forma sutil de expor aspectos da atitude amoral dos
personagens. No conto de Machado de Assis, um pai aconselha um filho sobre a
melhor carreira a seguir: a de medalhão, que corresponde ao indivíduo que se
anula para galgar altas posições sociais através da influência de uma imagem
inventada e pela troca de favores.
O conto de Graciliano Ramos, de maneira amarga, narra o suposto dilema
de um médico entre continuar seu trabalho como humilde ou pedir um emprego ao
velho amigo de liceu, tornado governador. Sob a desculpa de reencontrar o velho
camarada, o personagem acaba por revelar um subterfúgio para realizar o pedido
de um favor, um "gancho" na saúde pública. A indiferença da resposta
do governador desnuda a pequenez do caráter do médico, que sucumbe à mesquinhez
da política de favores sem ao menos ter a garantia de que vai ter o pedido
atendido.
O conto "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes Telles mostra
o papel da burocracia, que deve resolver as mazelas do estado, mas acaba
proliferando e perdendo o controle sobre os problemas que supostamente deveria
resolver. A presença de um assessor de relações públicas, cujo papel é garantir
a aparência de trabalho eficiente, e o cinismo do titular da pasta, mais
preocupado em desviar o foco da opinião pública para garantir as facilidades do
cargo. O clima surrealista da narrativa é um ponto que pode servir
comparativamente com os absurdos da burocracia, presentes na administração
pública brasileira.
Os três contos são, cada qual a seu modo, um ponto de partida para uma
análise sobre aspectos disseminados na sociedade brasileira: a torça de
favores, a influência de amizades políticas, a manipulação dos fatos, a
burocratização dos atos, a publicidade como métodos de garantir e concentrar o
poder em nome de benefícios próprios pouco produtivos e nada louváveis. Procure
encontrar as principais semelhanças entre os três contos e evidencie que a
corrupção e o desvio de função sempre fizeram parte da administração estatal, e
por isso mesmo foram alvo da pena crítica e ácida de vários de nossos
escritores.
1ª etapa
Distribua aos alunos cópias da reportagem "No país do
jeitinho" e faça uma leitura coletiva. Mostre que um dos objetivos da
publicação da antologia organizada por Luiz Ruffato foi demonstrar, com vários
autores de renome da literatura brasileira, a reflexão que a leitura destas
obras pode trazer para a compreensão daquela que talvez seja a mais obscura
característica da sociedade brasileira: a corrupção. Destaque junto aos alunos
a presença da crítica social por meio do viés irônico em vários dos contos
presentes na antologia.
Cite Gregório de Matos, Tomás Antonio Gonzaga, e o livro "Memórias
de um sargento de milícias", de Manuel Antônio de Almeida como exemplos de
obras literárias que, em épocas distintas da nossa evolução literária,
criticaram os desvios de função e o apadrinhamento para se conseguir vantagens
utilizando da sátira, da ironia e da jocosidade como recursos.
Observe que "corrupção" é quando alguém faz mau uso de algum
bem ou serviço público em benefício próprio. A corrupção, portanto, tem relação
direta com o comportamento inadequado daqueles que trabalham no governo. Também
existem categorias de atos corruptos: o suborno, que significa a compra de um
favor de um funcionário público (por exemplo: pagar a um policial para não ser
multado; pagar para conseguir lugar privilegiado numa fila ou para a obtenção
de um documento); o nepotismo, que é a prática de usar da influência do cargo
público que ocupa para favorecer ou dar empregos a parentes de até terceiro
grau - prática bastante disseminada na administração pública, e vista como
"normal" por muitas pessoas e o peculato, que é o crime de desvio ou
apropriação de recursos públicos (por exemplo, quando ocorre o superfaturamento
de obras, ou licitações fraudulentas).
Distribua cópias dos contos "Teoria do medalhão", "Dois
dedos" e "Seminário dos Ratos" para a turma e faça uma leitura
coletiva. Destaque a crítica presente nas três narrativas e aproxime as
possíveis convergências existentes na visão de mundo dos três autores. Divida a
turma em grupos de quatro ou cinco alunos, em que cada grupo ficará responsável
pela leitura e análise de um dos contos.
No conto de Machado de Assis, destaque os vários artifícios que o pai
aconselha ao filho como forma de atingir um status social: a indiferença moral,
o cinismo, o uso das frases feitas como forma de substituir a reflexão, a arte
do demonstrar força e influência (ainda que não as tenha) como forma de galgar
o poder, a insolência.
No conto de Graciliano, evidencie o aparente dilema do médico
insatisfeito com seu trabalho excessivo e mal remunerado junto a hospitais
públicos e os pobres, que recorre às suas relações pessoais com o governador,
de quem foi íntimo na juventude, como forma de alcançar um cargo melhor
posicionado na administração pública. No conto de Lygia Fagundes Telles,
destaque a maneira cínica e alheia em que os burocratas discutem um problema
social de profunda gravidade, usando de verbas, debates, encontros e discussões
entre especialistas, e que não chega jamais a se resolver - pelo contrário,
acaba por se tornar cada vez mais incontrolável.
A presença da ironia e da sátira, em especial nos contos de Machado
de Assis e Lygia Telles, ladeada com a acidez do julgamento de Graciliano,
pode levar à reflexão aguda sobre as mazelas da corrupção.Peça aos alunos que
leiam os contos e façam anotações. Como lição de casa, solicite uma pesquisa
sobre o contexto sócio-político de cada uma das épocas retratadas. Alguns exemplos:
as relações sociais e os artifícios para se tornar uma pessoa influente na
Corte carioca do século 19; as relações de amizade, os conchavos, o tráfico de
influência e o nepotismo, na sociedade coronelista do nordeste do início do
século 20 e a burocracia e o cinismo da administração do estado, que pode ser
comparável ao nosso tempo.
2ª etapa
Inicie a aula recordando aos alunos que, apesar de parecer algo recente
a corrupção é um tema que sempre fez parte dos governos, desde os tempos
coloniais. Cite como exemplos da disseminação dos atos corruptos a sensação de
impunidade, frequente nos que cometem esses crimes. Demonstre que, entre os
fatores que levam à certeza de sair impune diante de um ato de corrupção, estão
a morosidade da Justiça e a legislação defasada em relação aos crimes
administrativos, bem como a própria corrupção de advogados, juízes e
promotores, que acabam abrandando as penas em nome de uma adesão aos esquemas
de corrupção.
Peça, a seguir, que os alunos leiam as análises dos contos juntamente
com as conclusões a que chegaram.Na sequência, peça aos alunos que, tendo como
base a leitura dos contos, produzam novos textos (que podem ser dissertativos,
e conter, como nos contos lidos, o uso da ironia, da sátira e mordacidade como
forma de crítica à corrupção), expondo suas opiniões sobre os seguintes temas:
a corrupção é um mal crônico da sociedade brasileira? Nós somos ou
estamos corruptos? Qual é a principal causa da disseminação dessas
práticas?Avaliação
A partir dos textos produzidos e do debate realizado em sala, observe se
os alunos formaram opiniões sobre a corrupção como temática na literatura
brasileira e se conseguiram entender a utilização do recurso irônico nos contos
analisados.
Quer saber mais?
Livros
Corrupção. Vários autores (antologia de contos).
Org. Luiz Ruffato. Editora Língua Geral, 2012.
Corrupção e sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras. Civilização Brasileira, 2011.
Insônia. Graciliano Ramos. Editora Record,
2003.
Papéis avulsos. Machado de Assis. Editora
Penguin, 2011.
Seminário dos ratos. Lygia Fagundes Telles. Companhia das
Letras, 2009.
Internet
Obra completa de Machado de Assis disponível no site do MEC: www.machado.mec.gov.br
Professor de Literatura e Mestre em Educação pela Universidade Estadual
de Ponta Grossa
Revista Escola da editora Abril
Revista Escola da editora Abril
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