quarta-feira, abril 10, 2013

Corrupção como tema da literatura


Atos corruptos não são uma exclusividade do nosso tempo. Proponha um estudo sobre o tema com obras de autores consagrados como Machado de Assis, Graciliano Ramos e Lygia Fagundes Telles.



Objetivos

- Analisar a presença do tema da corrupção na produção literária brasileira;

- Contextualizar histórica e literariamente os contos "Teoria do medalhão", de Machado de Assis. "Dois dedos", de Graciliano Ramos, e "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes Telles;
- Observar a presença da ironia como elemento de crítica nos contos analisados;
- Produzir textos dissertativos em que, a partir da leitura dos contos, procurem discorrer sobre a corrupção como característica da sociedade brasileira.

 Conteúdos

- Gêneros narrativos :o conto;
- Comparação literária e história da literatura;
- Crítica social na literatura.

Tempo estimado

Duas aulas

Materiais necessários

Cópias dos contos "Teoria do medalhão" de Machado de Assis; "Dois dedos" de Graciliano Ramos e "Seminário dos ratos" de Lygia Fagundes Telles.

Introdução

O tema da corrupção, do desvio de funções e do "jeitinho" sempre esteve presente na análise da sociedade brasileira. Vários autores da nossa Literatura escreveram sobre o tema, muitas vezes apresentado de forma lacônica como uma característica marcante da organização estatal, política e econômica do Brasil.

Já no Barroco, o poeta luso-baiano Gregório de Matos e o Padre Antonio Vieira inauguram aos escritos críticos sobre esta nefasta marca de nosso povo, evidenciando a ideia de que, sem a conivência com a "mutreta"e o "fazer por fora" pouco ou quase nada se consegue no país.

A lista de autores que refletiram sobre a corrupção é longa: Tomás Antônio Gonzaga, com as "Cartas Chilenas" (Arcadismo); Manuel Antônio de Almeida com "Memórias de um sargento de Milícias";Machado de Assis com "Teoria do medalhão" e "Quincas Borba". Além de toda a obra de importantes figuras como Lima Barreto, autor que pagou com esquecimento e marginalidade, ao explicitar o lado racista sociedade cariocas do início do século 20.É interessante observar que muitas obras usam o humor e ironia para criticar a corrupção. Com a sátira e a ironia, os autores expõem as meias-verdades e a impunidade utilizadas por muitos políticos e empresários.

É pertinente a relação que podemos estabelecer entre a evolução da produção literária que trata do assunto e a obra de alguns de nossos principais autores: há alguns elos que unem a atitude desses escritores em relação à sociedade, o que gerou muitas vezes reações similares de setores oficiais da crítica, ao longo do tempo. Podemos observar a exposição do conflito entre a ordem estabelecida e a sua contestação como presença marcante em algumas obras críticas de nossa literatura. O uso da descrição e exposição de costumes que caracterizavam a vida em determinadas épocas ocorre de maneira muitas vezes por meio da ironia e da ambigüidade.

Gregório de Matos, o grande poeta Barroco, foi um alto funcionário do governo colonial. Caiu depois de recusar a imposição das leis eclesiásticas e acabou morrendo em Recife, onde publicou poemas em que satirizava, sem meias-palavras, a elite colonial. O conteúdo erótico e por vezes explícito desnudava a relação social estabelecida na Colônia e inaugura essa tendência à crítica satírica e explícita da sociedade por meio da literatura.

Tomás Antonio Gonzaga, melhor conhecido por sua obra lírica, também foi um funcionário do Estado, que, com conhecimento de causa, publicou sob pseudônimo, as "Cartas Chilenas". Nesses versos, marcados pela estética arcadista, Gonzaga desnudava a imoralidade e os desvios da administração de Minas Gerais do século 18. Envolvido com a Inconfidência Mineira, também terminou seus dias no exílio africano.

Em "Memórias de um sargento de Milícias", Manuel Antônio de Almeida associa a tradição satírica de nossa literatura e expõe tanto as práticas "morais" da sociedade, quanto o comportamento desviante da administração pública. A vertente irônica da obra de Machado de Assis é um dos aspectos mais importantes de sua narrativa. Sua obra como um todo foi marcada como um retrato ácido da elite da sua época, cujo desejo de se desvincular dos ideais do Brasil colonial provocava atitudes ambíguas, marcadas pela ambição.

Isso fica evidente no conto "Teoria do medalhão", que narra a história de um pai que dá conselhos ao filho sobre como se sair bem na vida. Para ele o filho deveria jamais tomar partido, sempre se dispor a agradar os amigos, buscar a publicidade de seus atos, tirar proveito das situações em benefício próprio, nunca ser irônico e preferir a "chalaça" (zombaria, insolência, troça).

O texto pode ser lido como uma crítica cáustica à sociedade da época e - por que não? - pode servir como reflexão sobre práticas similares que ainda persistem na sociedade brasileira.
O conto "Dois dedos", de Graciliano Ramos, narra a história de um médico que pensa que a amizade que tinha na infância com o Governador, poderá lhe garantir privilégios. Após uma crise de identidade, o personagem acaba por transformar, de forma mesquinha e pequena, a visita ao velho amigo em uma forma de também garantir seu quinhão. A pequenez de caráter do médico é contraposta à indiferença do governador - que responde com um "veremos" fugaz à sua proposta.

Finalmente, no conto "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes Telles, apresenta-se a alegoria quase surrealista do encontro entre o chefe de relações públicas e o secretário incumbido do bem-estar público de uma nação fictícia. O diálogo entre o burocrata e seu superior relata os preparativos para o encontro internacional que irá discutir a solução para o grave problema da proliferação de ratos. A narrativa sugere uma crítica à burocracia e ao favorecimento estatal, que hipocritamente finge discutir os problemas sociais existentes, sem jamais chegar a nenhuma solução que beneficie o povo.

Na edição de setembro, BRAVO! destaca a publicação de uma antologia de contos sob o tema da corrupção. Organizada por Luiz Ruffato, a coletânea apresenta contos que abordam o tema sob o viés do autoritarismo, do carteiraço, da lábia e da troca de favores, presentes de maneira mais ou menos generalizada na administração pública brasileira. A reportagem oferece a possibilidade de leitura e reflexão a respeito da crítica social presente na Literatura, que de maneira irônica exibe um painel de toda a canalhice que compõe o lado mais obscuro da sociedade brasileira.

Desenvolvimento

Antes de iniciar leia os contos "Teoria do medalhão" de Machado de Assis, "Dois dedos" de Graciliano Ramos, e "Seminário dos ratos" de Lygia Fagundes Telles. Note que a ironia é utilizada nos três contos como uma forma sutil de expor aspectos da atitude amoral dos personagens. No conto de Machado de Assis, um pai aconselha um filho sobre a melhor carreira a seguir: a de medalhão, que corresponde ao indivíduo que se anula para galgar altas posições sociais através da influência de uma imagem inventada e pela troca de favores.
O conto de Graciliano Ramos, de maneira amarga, narra o suposto dilema de um médico entre continuar seu trabalho como humilde ou pedir um emprego ao velho amigo de liceu, tornado governador. Sob a desculpa de reencontrar o velho camarada, o personagem acaba por revelar um subterfúgio para realizar o pedido de um favor, um "gancho" na saúde pública. A indiferença da resposta do governador desnuda a pequenez do caráter do médico, que sucumbe à mesquinhez da política de favores sem ao menos ter a garantia de que vai ter o pedido atendido.

O conto "Seminário dos ratos", de Lygia Fagundes Telles mostra o papel da burocracia, que deve resolver as mazelas do estado, mas acaba proliferando e perdendo o controle sobre os problemas que supostamente deveria resolver. A presença de um assessor de relações públicas, cujo papel é garantir a aparência de trabalho eficiente, e o cinismo do titular da pasta, mais preocupado em desviar o foco da opinião pública para garantir as facilidades do cargo. O clima surrealista da narrativa é um ponto que pode servir comparativamente com os absurdos da burocracia, presentes na administração pública brasileira.

Os três contos são, cada qual a seu modo, um ponto de partida para uma análise sobre aspectos disseminados na sociedade brasileira: a torça de favores, a influência de amizades políticas, a manipulação dos fatos, a burocratização dos atos, a publicidade como métodos de garantir e concentrar o poder em nome de benefícios próprios pouco produtivos e nada louváveis. Procure encontrar as principais semelhanças entre os três contos e evidencie que a corrupção e o desvio de função sempre fizeram parte da administração estatal, e por isso mesmo foram alvo da pena crítica e ácida de vários de nossos escritores.

1ª etapa

Distribua aos alunos cópias da reportagem "No país do jeitinho" e faça uma leitura coletiva. Mostre que um dos objetivos da publicação da antologia organizada por Luiz Ruffato foi demonstrar, com vários autores de renome da literatura brasileira, a reflexão que a leitura destas obras pode trazer para a compreensão daquela que talvez seja a mais obscura característica da sociedade brasileira: a corrupção. Destaque junto aos alunos a presença da crítica social por meio do viés irônico em vários dos contos presentes na antologia.

Cite Gregório de Matos, Tomás Antonio Gonzaga, e o livro "Memórias de um sargento de milícias", de Manuel Antônio de Almeida como exemplos de obras literárias que, em épocas distintas da nossa evolução literária, criticaram os desvios de função e o apadrinhamento para se conseguir vantagens utilizando da sátira, da ironia e da jocosidade como recursos.
Observe que "corrupção" é quando alguém faz mau uso de algum bem ou serviço público em benefício próprio. A corrupção, portanto, tem relação direta com o comportamento inadequado daqueles que trabalham no governo. Também existem categorias de atos corruptos: o suborno, que significa a compra de um favor de um funcionário público (por exemplo: pagar a um policial para não ser multado; pagar para conseguir lugar privilegiado numa fila ou para a obtenção de um documento); o nepotismo, que é a prática de usar da influência do cargo público que ocupa para favorecer ou dar empregos a parentes de até terceiro grau - prática bastante disseminada na administração pública, e vista como "normal" por muitas pessoas e o peculato, que é o crime de desvio ou apropriação de recursos públicos (por exemplo, quando ocorre o superfaturamento de obras, ou licitações fraudulentas).

Distribua cópias dos contos "Teoria do medalhão", "Dois dedos" e "Seminário dos Ratos" para a turma e faça uma leitura coletiva. Destaque a crítica presente nas três narrativas e aproxime as possíveis convergências existentes na visão de mundo dos três autores. Divida a turma em grupos de quatro ou cinco alunos, em que cada grupo ficará responsável pela leitura e análise de um dos contos.

No conto de Machado de Assis, destaque os vários artifícios que o pai aconselha ao filho como forma de atingir um status social: a indiferença moral, o cinismo, o uso das frases feitas como forma de substituir a reflexão, a arte do demonstrar força e influência (ainda que não as tenha) como forma de galgar o poder, a insolência.

No conto de Graciliano, evidencie o aparente dilema do médico insatisfeito com seu trabalho excessivo e mal remunerado junto a hospitais públicos e os pobres, que recorre às suas relações pessoais com o governador, de quem foi íntimo na juventude, como forma de alcançar um cargo melhor posicionado na administração pública. No conto de Lygia Fagundes Telles, destaque a maneira cínica e alheia em que os burocratas discutem um problema social de profunda gravidade, usando de verbas, debates, encontros e discussões entre especialistas, e que não chega jamais a se resolver - pelo contrário, acaba por se tornar cada vez mais incontrolável.

A presença da ironia e da sátira, em especial nos contos de Machado de Assis e Lygia Telles, ladeada com a acidez do julgamento de Graciliano, pode levar à reflexão aguda sobre as mazelas da corrupção.Peça aos alunos que leiam os contos e façam anotações. Como lição de casa, solicite uma pesquisa sobre o contexto sócio-político de cada uma das épocas retratadas. Alguns exemplos: as relações sociais e os artifícios para se tornar uma pessoa influente na Corte carioca do século 19; as relações de amizade, os conchavos, o tráfico de influência e o nepotismo, na sociedade coronelista do nordeste do início do século 20 e a burocracia e o cinismo da administração do estado, que pode ser comparável ao nosso tempo.

2ª etapa

Inicie a aula recordando aos alunos que, apesar de parecer algo recente a corrupção é um tema que sempre fez parte dos governos, desde os tempos coloniais. Cite como exemplos da disseminação dos atos corruptos a sensação de impunidade, frequente nos que cometem esses crimes. Demonstre que, entre os fatores que levam à certeza de sair impune diante de um ato de corrupção, estão a morosidade da Justiça e a legislação defasada em relação aos crimes administrativos, bem como a própria corrupção de advogados, juízes e promotores, que acabam abrandando as penas em nome de uma adesão aos esquemas de corrupção.
Peça, a seguir, que os alunos leiam as análises dos contos juntamente com as conclusões a que chegaram.Na sequência, peça aos alunos que, tendo como base a leitura dos contos, produzam novos textos (que podem ser dissertativos, e conter, como nos contos lidos, o uso da ironia, da sátira e mordacidade como forma de crítica à corrupção), expondo suas opiniões sobre os seguintes temas: a corrupção é um mal crônico da sociedade brasileira? Nós somos ou estamos corruptos? Qual é a principal causa da disseminação dessas práticas?Avaliação
A partir dos textos produzidos e do debate realizado em sala, observe se os alunos formaram opiniões sobre a corrupção como temática na literatura brasileira e se conseguiram entender a utilização do recurso irônico nos contos analisados.

Quer saber mais?

Livros
Corrupção. Vários autores (antologia de contos). Org. Luiz Ruffato. Editora Língua Geral, 2012.
Corrupção e sistema político no Brasil. Leonardo Avritzer e Fernando Filgueiras. Civilização Brasileira, 2011.
Insônia. Graciliano Ramos. Editora Record, 2003.
Papéis avulsos. Machado de Assis. Editora Penguin, 2011.
Seminário dos ratos. Lygia Fagundes Telles. Companhia das Letras, 2009.

Internet
Obra completa de Machado de Assis disponível no site do MEC:  www.machado.mec.gov.br

Professor de Literatura e Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa

Revista  Escola da editora Abril

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