Jussara Hoffmann
O problema da avaliação da aprendizagem tem sido discutido
intensamente neste último século. Nas últimas décadas, adquiriu um enfoque
político e social, que intensificou a pesquisa sobre o assunto.
A tendência, dentre os principais estudiosos do assunto, é a de
procurar superar a concepção positivista e
classificatória das práticas avaliativas escolares (baseada em verdades absolutas,
critérios objetivos, medidas padronizadas e estatísticas) em favor de uma
ação consciente
e reflexiva sobre o valor do objeto avaliado, as situações avaliadas e do
exercício do diálogo entre os envolvidos.
Dessa
maneira, assume-se conscientemente o papel do avaliador no processo, dentro de
um dado contexto, que confere ao educador uma grande responsabilidade por seu
compromisso com o objeto avaliado e com sua própria aprendizagem - a de como
ocorre o processo avaliativo.
Essa reflexão envolve os próprios princípios da democracia,
cidadania e direito à educação, que se contrapõem às concepções avaliativas
classificatórias, que se fundamentam na competição, no
individualismo, no poder, na arbitrariedade, que acabam enlaçando tanto os
professores quanto os alunos em suas relações pessoais verticais e
horizontais.
Da mesma forma, a
avaliação de um curso só terá sentido se for capaz de possibilitar a
implementação de programas que resultem em melhorias do curso, da escola ou da
instituição avaliada.
No
entanto, a despeito das inovações propostas pela nova LDB (9394/ 96),
observa-se na maioria das escolas brasileiras, de todos os níveis, a dificuldade
para incorporar e compreender a concepção de avaliação mediadora. Em seus
regimentos escolares enunciam-se objetivos de avaliação contínua, mas, ao mesmo
tempo, estabelecem-se normas classificatórias e normativas, o que revela a
manutenção das práticas tradicionais e a resistência à implementação de
regimes não seriados, ciclos, programas de aceleração, evidenciando o caráter
burocrático e seletivo que persiste no país.
A autora resume os princípios básicos – as setas
do caminho – a seguir, apontando para onde vamos:
DE
|
PARA
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Avaliação para classificação, seleção, seriação.
|
Avaliação a serviço da aprendizagem, da formação, da promoção da
cidadania.
|
Atitude reprodutora, alienadora, normativa
|
Mobilização em direção à busca de sentido e significado da ação.
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Intenção prognóstica, somativa, explicativa e de desempenho.
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Intenção de acompanhamento permanente de mediação e intervenção
pedagógica favorável a aprendizagem.
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Visão centrada no professor e em medidas padronizadas de disciplinas
fragmentadas.
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Visão dialógica, de negociação, referenciada em valores, objetivos e
discussão interdisciplinar.
|
Organização homogeneizada, classificação e competição.
|
Respeito às individualidades, confiança na capacidade de todos, na
interação e na socialização.
|
Os regimes
seriados estabelecem
oficialmente uma série de obstáculos aos alunos, por meio de critérios
pré-definidos arbitrariamente como requisitos para a passagem à série seguinte.
Os desempenhos individuais dos alunos são utilizados para se comparar uns com
os outros, promovendo os "melhores" e retendo os "piores".
As diferenças individuais são reconhecidas, não como riqueza, mas como
instrumento de dominação de uns poucos sobre muitos.
Os regimes não seriados,
ao contrário, fundamentam-se em concepções desenvolvimentistas e democráticas,
focalizando o processo de aprendizagem, e não o produto. O trabalho do aluno,
a aprendizagem, é comparado com ele próprio, sendo possível observar sua
evolução de diversas formas ao longo do processo de ensino-aprendizagem,
reconhecer suas possibilidades e respeitá-las. Dessa forma, a avaliação
contínua adquire o significado de avaliação
mediadora do
processo de desenvolvimento e da aprendizagem de cada aluno, de acordo com
suas possibilidades e da promoção da qualidade na escola.
Isso está
longe de ser menos exigente, rigorosa e mais permissiva. Pelo contrário, essa
organização de trabalho escolar exige a realização de uma prática pedagógica
que assuma a diversidade humana como riqueza, as facilidades e dificuldades de
cada um como parte das características humanas, que devem ser respeitadas e, ao
fazê-lo, novas formas de relações educativas se constituem a partir da
cooperação e não da competição.
Deste
modo, se torna possível acolher a todos os alunos, porque não há melhores nem
piores, sendo que, num processo de avaliação classificatória, estes últimos,
"os piores" estarão predestinados ao fracasso e à exclusão.
Provas de
recuperação versus estudos paralelos
A ideia de recuperação vem sendo concebida como retrocesso,
retomo. As provas de
recuperação se
confundem com a recuperação das notas já
alcançadas, com repetição de conteúdos.
Estudos
paralelos de recuperação são próprios a uma prática de avaliação mediadora.
Neste processo o conhecimento é construído entre descobertas e dúvidas,
retomadas, obstáculos e avanços. A progressão da aprendizagem, nos estudos
paralelos, está direcionada ao futuro do desenvolvimento do aluno.
Os
estudos paralelos precisam acompanhar os percursos individuais de formação dos
alunos e considerar os princípios da pedagogia diferenciada, para a qual nos
chama a atenção Perrenoud (2000), que alerta:
“o que caracteriza a
individualização dos percursos não é a solidão no trabalho, mas o caráter único
da trajetória de cada aluno no conjunto de sua escolaridade”.
Nesse sentido, o reforço e a recuperação (nas suas
modalidades contínua, paralela ou final) são considerados parte integrante do
processo de ensino e de aprendizagem para atendimento à diversidade das
características, das necessidades e dos ritmos dos alunos.
Alertamos
para o fato de que Hoffman defende que o termo paralelo pressupõe estudos desenvolvidos
pelo professor em sua classe e no decorrer natural do processo. Cada professor
estabelece uma relação diferenciada de saber com seus alunos. É compromisso seu
orientá-los na resolução de dúvidas, no aprofundamento das noções, e a melhor
forma de fazê-lo é no dia-a-dia da sala de aula, contando com a cooperação de
toda a turma.
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