Cipriano
Luckesi
Tendência progressista libertadora
Papel da escola - Não é próprio da pedagogia
libertadora falar em ensino escolar, já que sua marca é a atuação "não
formal". Entretanto, professores e educadores engajados no ensino escolar
vêm adotando pressupostos dessa pedagogia. Assim, quando se fala na educação
em geral, diz-se que ela é uma atividade onde professores e alunos,
mediatizados pela realidade que apreendem e da qual extraem o conteúdo de
aprendizagem, atingem um nível de consciência dessa mesma realidade, a fim de
nela atuarem, num sentido de transformação social. Tanto a educação tradicional,
denominada "bancária" - que visa apenas depositar informações sobre o
aluno -, quanto a educação renovada - que pretenderia uma libertação psicológica
individual - são domesticadoras, pois em nada contribuem para desvelar a
realidade social de opressão. A educação libertadora, ao contrário, questiona
concretamente a realidade das relações do homem com a natureza e com os outros
homens, visando a uma transformação - dai ser uma educação crítica10.
10 Cf. Freire, Paulo. Ação cultural como
prática de liberdade; Pedagogia do Oprimido e Extensão ou comunicação?
Conteúdos de ensino - Denominados “temas
geradores", são extraídos da problematização da prática de vida dos
educandos. Os conteúdos tradicionais são recusados porque cada pessoa, cada
grupo envolvido na ação pedagógica dispõe em si próprio, ainda que de forma
rudimentar, dos conteúdos necessários dos quais se parte. O importante não é a
transmissão de conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma da relação
com a experiência vivida. A transmissão de conteúdos estruturados a partir de
fora é considerada como "invasão cultural" ou “depósito de
informação’’ porque não emerge do saber popular. Se forem necessários textos de
leitura estes deverão ser redigidos pelos próprios educandos com a orientação
do educador”.
Em
nenhum momento o inspirador e mentor da pedagogia libertador Paulo Freire,
deixa de mencionar o caráter essencialmente político de sua pedagogia, o que,
segundo suas próprias palavras, impede que ela seja posta em prática em termos
sistemáticos, nas instituições oficiais, antes da transformação da sociedade.
Daí porque sua atuação se dê mais em nível da educação extraescolar. O que não
tem impedido, por outro lado, que seus pressupostos sejam adotados e aplicados
por numerosos professores.
Métodos de ensino - "Para ser um ato de
conhecimento o processo de alfabetização de adultos demanda, entre educadores e
educandos, uma relação de autêntico diálogo; aquela em que os sujeitos do ato
de conhecer se encontram mediatizados pelo objeto a ser conhecido" (...)
"O diálogo engaja ativamente a ambos os sujeitos do ato de conhecer:
educador-educando e educando-educador".
Assim
sendo, a forma de trabalho educativo é o "grupo de discussão a quem cabe
autogerir a aprendizagem, definindo o conteúdo e a dinâmica das atividades. O
professor é um animador que, por princípio, deve “descer ao nível dos alunos,
adaptando-se às suas características è ao desenvolvimento próprio de cada grupo”.
Deve caminhar "junto", intervir o mínimo indispensável, embora não se
furte, quando necessário, a fornecer uma informação mais sistematizada.
Os passos da
aprendizagem –
Codificação/decodificação, e problematização da situação - permitirão aos
educandos um esforço de compreensão do "vivido", até chegar a um
nível mais crítico de conhecimento e sua realidade, sempre através da troca de
experiência em torno da prática social. Se nisso consiste o conteúdo do
trabalho educativo, dispensam um programa previamente estruturado, trabalhos
escritos, aulas expositivas assim como qualquer tipo de verificação direta da
aprendizagem, formas essas próprias da "educação bancária", portanto,
domesticadoras. Entretanto admite-se a avaliação da pratica vivenciada entre
educador/educandos no processo de grupo e, às vezes, a autoavaliação feita em
termos dos compromissos assumidos com a prática social.
Relacionamento
professor-aluno
- No diálogo, como método básico, a relação é horizontal, onde educador e
educandos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento. O critério de bom
relacionamento é a "total identificação com o povo, sem o que a relação
pedagógica perde consistência”. Elimina-se, por pressuposto, toda relação de
autoridade, sob pena de esta inviabilizar o trabalho de conscientização, de
"aproximação de consciências". Trata-se de uma "não diretividade",
mas não no sentido do professor que se ausenta (como em Rogers), mas que
permanece vigilante para assegurar ao grupo um espaço humano para "dizer
sua palavra" para se exprimir sem se neutralizar.
Pressupostos de
aprendizagem -
A própria designação de "educação problematizadora" como correlata de
educação libertadora revela a força motivadora da aprendizagem. A motivação se
dá a partir da codificação de uma situação-problema, da qual se toma distância
para analisá-la criticamente. "Esta análise envolve o exercício da
abstração, através da qual procuramos alcançar, por meio de representações da
realidade concreta, a razão de ser dos fatos".
Aprender
é um ato de conhecimento da realidade concreta, isto é, da situação real vivida
pelo educando, e só tem sentido se resulta de uma aproximação crítica dessa
realidade. O que é aprendido não decorre de uma imposição ou memorização, mas
do nível crítico de conhecimento, ao qual se chega pelo processo de
compreensão, reflexão e crítica. O que o educando transfere, em termos de
conhecimento, é o que foi incorporado como resposta às situações de opressão - ou seja, seu engajamento na
militância política.
Manifestações na
prática escolar
- A pedagogia libertadora tem como inspirador e divulgador Paulo Freire, que
tem aplicado suas ideias pessoalmente em diversos países, primeiro no Chile,
depois na África. Entre nós, tem exercido uma influencia expressiva nos
movimentos populares e sindicatos e, praticamente, se confunde com a maior
parte das experiências do que se denomina "educação popular". Há
diversos grupos desta natureza que vêm atuando não somente no nível da prática
popular, mas também por meio de publicações, com relativa independência em
relação às ideias originais da pedagogia libertadora. Embora as formulações
teóricas de Paulo Freire se restrinjam à educação de adultos ou à educação
popular em geral, muitos professores vêm tentando colocá-las em prática em todos os graus de ensino
formal.