quinta-feira, junho 30, 2011

GAROTO E GAROTA DA ESCOLA

Na sua aparente inocência a escolha de “garoto e garota da escola” soa isenta de malícia. Em escolas, principalmente as públicas, esta “eleição” costuma mobilizar energia e recursos dos pais, dos parentes, dos amigos e, até, de desconhecidos para a obtenção dos votos que irão definir os ocupantes do almejado trono. O processo, no entanto, pode ser visto qual uma operação antecipatória do que as crianças vivenciarão uma década mais à frente quando se transformarão em eleitores chamados a escolher os dirigentes do país.
O vencedor da inocente eleição festiva será aquele que conquistar mais votos em cima de alguma qualidade ou da defesa de alguma arte ou graciosidade própria? Não, o rei e a rainha assumirão o trono por meio da singela operação comercial de venda de votos. Professores e dirigentes escolares até estimulam o evento e vêem nele uma excelente oportunidade de reforçar o caixa escolar. Alegam, mesmo, que os recursos obtidos servirão, não só para financiar a festa propriamente dita, mas, também, eventuais necessidades da instituição (reparos, aquisição de papel, livros, suprimentos vários etc). Fins tão nobres justificariam métodos tão pouco ortodoxos de escolha, na concepção da maioria. Afinal, as escolas precisam da verba e o que o governo dá é insuficiente. Se a escolha dos reis deixará uma cicatriz no imaginário infantil, os professores pouco parecem se importar.
Talvez a complacência popular com práticas corruptoras como o mensalão (e o comportamento cínico de autoridades frente aos desatinos da companheirada), tenha sua gênese nestas primeiras escolhas a que as crianças são submetidas nas nossas festas juninas. Não é desconhecido daqueles que têm, ou tiveram, filhos em escolas a existência de pais que colocam como meta a ser alcançada, em determinado momento, a eleição do rebento como rei ou rainha da escola. A qualquer custo e a qualquer preço, frise-se. A busca de certos mandatos no futuro, igualmente a qualquer custo e a qualquer preço, apenas repetirá em outro patamar o padrão inoculado muitos anos atrás. Tudo certo e tudo natural. Afinal, sempre foi assim, não é?
A venda de votos configura uma prática que atenta a cidadania, causando imensos prejuízos à democracia e à convivência social. Em primeiro lugar, porque é uma prática que privilegia o poder econômico, acima de tudo, pois as crianças que provêm de lares com maior poder aquisitivo disputam em condições mais favoráveis do que as outras. Não é justo, não é correto e não é divertido constatar que este título é literalmente comprado, nada tendo a ver com atributos pessoais ou de destaque dos candidatos. Ponto para a injustiça e para a desigualdade, portanto. A venda de votos ainda soa como um atentado à democracia e à boa política, pois associa na cabeça das crianças a idéia do voto com algo que se pode comprar e vender. Quando é a escola que propõe, então, temos um completo e inusitado quadro de uma prática educacional contrária à cidadania.
Outro aspecto negativo da prática da venda de votos e gincanas é a aprendizagem da “arte de pedir” de casa em casa, o que pode estimular, na cabeça das crianças mais pobres, a prática de pedir esmolas, baseada no sentimento de compaixão dos adultos que querem ajudá-las. Não são poucas as crianças que, exploradas pelos adultos, pais ou responsáveis, aprendem a pedir cedo, estimuladas por práticas aprendidas na escola.
Embora pareça uma brincadeira sem maiores consequências, e que muito diverte os adolescentes, principalmente, leva a profundas reflexões sobre a nossa tolerância com os atentados à cidadania. Pior ainda, quando executadas dentro de escolas, que deveriam servir de exemplo às novas gerações sobre as boas práticas, inclusive na área de lazer e entretenimento.

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